Última alteração: 2022-10-12
Resumo Expandido (Entre 450 e 700 palavras)
O vídeo de uma menina de sete anos saltando uma escadaria sobre um skate vestida de fada ganhou o mundo através da internet e apresentou a skatista Rayssa Leal aos holofotes midiáticos. De lá para cá, as pranchas do asfalto levaram a “Fadinha do skate” aos lugares mais altos do pódio em diversas competições, inclusive ao inédito segundo lugar nos Jogos Olímpicos de Tóquio, no qual o skate street foi estreante. É exatamente em 25 de julho de 2021, horas antes da prata olímpica inédita na edição de Tóquio 2020-2021 que a Nike, patrocinadora da atleta, lança o vídeo da campanha “Novas Fadas”. Trata-se, antes de tudo, de uma projeção de expectativas visando o excelente retrospecto profissional da skatista, cujo destaque vai para o vice-campeonato mundial da Street League Skateboarding (SLS) em 2019, além de outras etapas da mesma competição.Aproveitando-se do apelido carinhoso pelo qual a jovem skatista é chamada, Fadinha, a campanha publicitária se estrutura em um interessante jogo entre realidade e ficção, trazendo à cena ícones que remetem aos mais clássicos filmes de contos de fadas da franquia Disney: A Dama e o Vagabundo, Branca de Neve e Cinderela, que também está presente por meio da trilha sonora escolhida para compor o vídeo publicitário. Rayssa também traja asas imaginárias que, ao final da peça, se esvaem para dar lugar à realidade, à conquista do sonho infantil. As nuances de realidade ficam a cargo do cenário escolhido: becos, vielas, pichações, escadarias e manobras características ajudam a “trazer de volta” a origem do skate street, modalidade em que atua profissionalmente a skatista.
Para além da “magia” e dos encantos do universo infantil, as nuances de realidade presentes na peça publicitária são essencialmente importantes para dar destaque ao cenário de gênese do skate street. O ambiente urbano, representado por becos e vielas, é trazido à cena para relembrar, ainda que através do interdiscurso imagético, o surgimento desta prática, marcada por um contexto de afirmação de identidades e de subversão de uma ordem instituída, principalmente se tomarmos como referência o cenário brasileiro das décadas de 1960-80, sob vigência da Ditadura Militar (Machado, 2012).
Além disso, ao propor o sentido de identificação de uma nova geração de “fadas” skatistas acionando ícones de sedimentações contidos em contos de fadas tradicionalmente componentes de nossas memórias, a campanha dá protagonismo ao mundo de sonhos a serem realizados, primeiramente a partir da imaginação, entendida enquanto “(...) faculdade pela qual alguém pode empatizar com outros – pela qual, por exemplo, pode-se andar às apalpadelas dentro do território desconhecido de outra cultura.” (Eagleton, 2011, p.70). É utilizando-se dos recursos da imaginação que Rayssa ganha “asas virtualizadas” e transforma o que antes era apenas um sonho infantil em realidade: viver profissionalmente, e ser reconhecida, por um hobby.
O jogo discursivo entre “mundo dos sonhos” e “realidade” presentes na publicidade da Nike é de grande valia também quando olhamos para a legenda do vídeo publicado no canal da marca. Nela, as intencionalidades narrativas se fazem ainda mais claras, na medida em que o texto afirma que “As fadas de verdade não têm asas nem varinhas mágicas. Elas andam de skate e brilham nas manobras.”, o que complementa o sentido do título da peça publicitária, denominada “Novas Fadas”.
Se, por um lado, a trilha sonora do filme Cinderela (1950), “Um sonho é um desejo d’alma”, composta por João de Barro e interpretada por Simone de Morais, é essencial para a composição do “clima” da peça publicitária, por outro, a proposta central de nunca deixar de “ser criança” e acreditar na realização dos sonhos mais intangíveis torna o comercial um importante objeto de análise para compreender a importância da ascensão, midiática e esportiva-profissional, de Rayssa Leal. Essa constatação se faz mais clara quando nos atentamos ao final da peça publicitária, composto pelo vídeo viral que deu início à trajetória midiática da atleta brasileira. Com olhares atentos para as particularidades que envolvem a produção e a veiculação desta peça publicitária, sobretudo tratando-se de uma produção ainda anterior à conquista inédita da prata olímpica em Tóquio, a proposta deste artigo é, a partir de uma base discursiva francesa, buscar discorrer algumas impressões sobre a peça publicitária “Fadas Existem” pautada no jogo maniqueísta realidade x ficção.
Referências bibliográficas
Eagleton, T. (2005). A ideia de cultura. São Paulo: Unesp.
Machado, G. M. C. (2011). De carrinho pela cidade: a prática do street skate em São Paulo (Doctoral dissertation, Universidade de São Paulo).