meistudies, 3º Congresso Internacional Media Ecology and Image Studies - Democracia, meios e pandemia

Tamanho da fonte: 
Imagens e intervalos do cinema-mundo pandêmico
Lennon Macedo

Última alteração: 2020-11-07

Resumo Expandido (Entre 450 e 700 palavras)


Apichatpong Weerasethakul (2020) escreveu uma carta no último maio, desde sua morada ao norte da Tailândia, sobre seu cotidiano pandêmico. No texto, Apichatpong faz menção ao seu café da manhã (um prato com frutas, cereais e dois ovos cozidos) e descreve também como a clausura solicitou novos arranjos de rotina, um inteligência emergente do corpo no espaço e no tempo; enfim, sua relação com o instante presente: “When the future is uncertain, the now becomes valuable” (WEERASETHAKUL, 2020, s/p). Continuando a carta, porém, o cineasta compartilha um pensamento, uma brincadeira fabulatória: de que os habitantes da quarentena, findo o confinamento, não mais se interessariam pelo cinema narrativo, pelos encadeamentos de ações e reações e cortes acelerados. Esse povo porvir descobriria então o cinema de fluxo de Tsai Ming-Liang, de Lucrécia Martel, do próprio Apichatpong, um cinema em que o curso narrativo é permeado de intervalos, de momentos que irrompem no encadeamento para deslocar a percepção rumo à paisagem e à passagem do tempo.

Nossa hipótese, ao ler a carta do cineasta, é de que há um devir-intervalar na quarentena que se expressa na semiose de nossa percepção junto aos sons e às imagens. Desde pessoas que fisgam paisagens antes não-vistas na rotina habituada do trabalho até a normalização do plano contínuo das videochamadas e das lives, os intervalos povoam nosso cotidiano pandêmico. Inspirados, então, por Apichatpong, iniciamos uma busca por imagens em dispersão que julgamos expressarem o intervalo em devir no confinamento pandêmico. Destacamos aqui, para tanto, como objeto de pesquisa, o website Window Swap (2020), um arquivo colaborativo de vistas, um coletivo desterritorializado de janelas filmadas desde seus interiores. O projeto singapurense, que aglomera imagens do Brasil ao Japão, ao mesmo tempo replica e produz os intervalos, convida o povo enclausurado a visitar as distâncias, a se afetar pela duração da paisagem.

Um dos conceitos que norteiam o trabalho é este do intervalo. Ao tecermos um estudo estrutural do assim chamado cinema de fluxo (MACEDO, 2019), identificamos que esses filmes apresentavam uma singular construção da paisagem e de seu vínculo com a narração. Tal operação desobriga certos elementos fílmicos a participarem da função narrativa, atribuindo-lhes uma autonomia no que tange à sua significação: batizamos essa operação com o nome do intervalo, antevendo a paisagem como signo privilegiado dessa semiótica. O intervalo, contudo, não se faz com a mera intromissão do espaço no curso narrativo; é preciso fazer durar a paisagem, através do plano-sequência, o suficiente para instalar a distância entre uma ação narrativa e outra. Não só o espaço, mas o tempo torna-se também motor dessa proliferação de intervalos.

O presente texto, portanto, observa esses signos num regime de imagens mais amplo, o do nosso cotidiano de quarentena. Se concordamos com Pasolini (1982, p. 162) que “a realidade não é mais do que cinema em estado de natureza”, não seria nada estranho especular sobre nossa relação diária com a paisagem, com o tempo e com as imagens desde o ponto de vista de uma semiótica do cinema. Nosso objetivo, em outras palavras, seria o de examinar que cinema é esse que estamos vivendo através de nossas janelas (analógicas e digitais), de nossos espaços e de nosso corpo. Tal pesquisa semiótica faz aliança com os estudos de Christian Metz (2014) sobre a narração, com a perspectiva de Gilles Deleuze (1990) sobre os regimes de imagens e signos, com os comentários de Jacques Rancière (2010) acerca do realismo e com as distintas caracterizações da significação da paisagem em Ernst Gombrich (1990), Jacques Aumont (2004) e Serguei Eisenstein (1987).

Palavras-chave


cinema; intervalo; paisagem;

Texto completo:

PDF