meistudies, 2º Congresso Internacional Media Ecology and Image Studies - O protagonismo da narrativa imagética

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A distopia Divino Amor sob as lentes da Ecosofia
Isabel Marinho Rêgo

Última alteração: 2019-09-17

Resumo Expandido (Entre 450 e 700 palavras)


Este trabalho analisa o universo distópico do longa-metragem brasileiro Divino Amor (2019). A análise foca os elementos que formam o universo diegético, como cores, trilha sonora, arquitetura, meio ambiente, enquadramentos, iluminação, engenhos e atmosfera, com um método de investigação ampliado pela Ecosofia. Guattari (1989) articula os três registros ecológicos: do meio ambiente, das relações sociais e da subjetividade humana como forma de perceber os componentes da produção de subjetividades. Guattari defende a necessidade de forjar essa concepção para melhor compreender e propor transformações diante do “coquetel subjetivo contemporâneo configurado por uma mistura de apego arcaizante às tradições culturais com aspirações da modernidade tecnológica e científica” (GUATTARI, 1989, p.13). A Ecosofia ampliou o arcabouço teórico do método de análise audiovisual voltado para o universo diegético ao chamar atenção para os componentes não humanos produtores de subjetividade individual e coletiva. Esta investigação foi direcionada a identificar componentes produtores de subjetividade do universo brasileiro contemporâneo que gestou o universo distópico de Divino Amor. O longa metragem foi dirigido pelo pernambucano Gabriel Mascaro e estreou em 2019, a protagonista Joana (encarnada pela atriz Dira Paes) vive no Brasil de 2027, quando a principal festa deixou de ser o carnaval e passou a ser a festa do Amor Supremo, em que os cristãos esperam pela volta do Messias cantando o amor por Deus numa festa tipo rave. A sociedade apresenta alto nível de burocratização, como efeito há padronização não apenas de casas e roupas, mas de vidas e corpos. A massa é vigiada por um Estado que se diz laico, embora permissivo diante do projeto hegemônico que a religião evangélica constrói ali. Nesse futuro próximo há alguns avanços tecnológicos diferenciados do que foi alcançado na contemporaneidade, algo comum nos universos distópicos, os chamados engenhos. Uma espécie de detector de metais que revela nome, profissão, estado civil e eventual gravidez de quem passa por ele se destaca como engenho no universo de Divino Amor. O filme convida o espectador a vivenciar o Brasil em que as sementes de conservadorismo cultural e religioso floresceram, a fé religiosa e tecnológica envolve a paisagem, as instituições e os personagens. Em meio a uma atmosfera sombria e da paisagem cinza irrompe a sedução evangélica em cores vivas, fumaça de gelo seco e músicas animadas. Guattari (1992) reivindica uma atuação com procedimentos mais artísticos do que científicos a fim de evitar o destino coletivo serial, Mascaro fez esse tipo de militância com seu filme. O universo diegético de Divino Amor proporciona uma experiência estética dos extremos a que podem chegar os projetos de serialização cultural e religiosa promovidos pelo Estado cada vez menos laico que se constrói no Brasil atual; como no tratamento que a homeopatia promove ao reforçar os sintomas de uma enfermidade para que o corpo recobre seu equilíbrio dinâmico. As narrativas de ficção científica com frequência enquadram os humanos como representantes da espécie, mais do que indivíduos destacados do todo, nesta distopia, os personagens são integrados ao ambiente, seguem padrões rígidos num terreno infértil para aspirações emancipadoras. Não há personagens que subvertem os padrões impostos pela sociedade embrutecida. Em várias sequências os personagens estão enquadrados pelo cenário, paredes, tetos, cortinas e carros confinam e limitam a naturalidade dos corpos. O meio de imanência é refletido nos humanos e nos elementos não humanos daquele Brasil. Diante dos desejos e individualidades ameaçados de paralisia, um antídoto pode passar por restabelecer relações com o que pulsa, com o cosmos e a vida, para recompor singularidades individuais e coletivas. Ao considerar a dimensão não humana da subjetividade, o plano de observação das obras audiovisuais se amplia e faz jus à riqueza de conhecimentos cimentados no espaço ficcional distópico em questão. Divino Amor nasce do tecido contemporâneo em processo de embrutecimento para proporcionar uma experiência sensível, pondo lado a lado o delicado milagre de uma vida humana em gestação com a mão burocratizante de um Estado Cristão. Muitos dos projetos em gestação no Brasil atual chegam ao extremo no universo diegético, como o incentivo aos avanços da tecnologia funcionalista, desidratação da arte e educação, namoro entre Estado e Religião, conservadorismo social além de cultural e necrose da fraternidade humana.


Palavras-chave


Ecosofia; Distopia; Universo diegético.

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